quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Como escrevo

Quando, em uma entrevista, me fazem a pergunta: "Como o senhor escreveu o seu romance?", em geral corto e respondo: "Da esquerda para a direita." [...] Incidentalmente, como o Pêndulo [de Foucault] falava de um computador, o qual construía poesia e conectava eventos de modo aleatório, muitos entrevistadores queriam a todo custo que eu revelasse que todo o romance fora feito dando ao computador um programa e deixando a máquina, depois, inventar tudo. Note-se que eram todos jornalistas que trabalham em redações nas quais os artigos são escritos em computadores e vão diretamente para a impressão - e que, portamto, sabiam quanto se pode deste instrumento servil. Mas eles sabiam que estavam escrevendo para um público que ainda tinha do computador uma concepção mágica e, como se sabe, escreve-se com frequência não para dizer aos leitores a verdade, mas sim aquilo que eles desejam ouvir.

Em todo caso, a um certo ponto fiquei irritado e dei a alguém a fórmula mágica:

Antes de mais nada é preciso um computador e, obviamente, que é uma máquina inteligente que pensa para você - o que para muitos seria uma vantagem. Basta um programa de poucas linhas, até uma criança pode fazê-lo. Em seguida, insere-se no computador o conteúdo de algumas centenas de romances, obras científicas, a Bíblia, o Corão e muitas listas telefônicas (utilíssimas para os nomes dos personagens). Cerca de 120 mil páginas, digamos.

Depois, com um outro programa, procede-se à randomização, ou seja, misturam-se todos os textos, com alguns ajustes, por exemplo, eliminando-se todos os "a". Assim, além de um romance tem-se um lipograma. Chegando a esse ponto, dá-se o
print e imprime-se. Tendo eliminado os "a", resultam algo menos de 120 páginas. Depois de lê-las atentamente, várias vezes, sublinhando os trechos mais significativos, carregá-las em um Tir e levar até um incinerador. Sentar-se, então, sob uma árvore, com um carvão e papel Fabriano e, deixando vagar a mente, escrever duas linhas, por exemplo: "A lua vai alta no céu - o bosque estremece." Talvez não saia logo um romance, mas apenas um haiku japonês, porém o importante é começar.

Ninguém teve coragem de citar a minha receita secreta.

Umberto Eco, "Sobre a literatura"
Editora Record, 2003

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