não, mamãe, não espero alguém
não espero alguém que não seja eu.
estou esperando por mim
o tempo não pára
o dia e a noite se revezam monotonamente
estou aqui, esperando por mim.
a porta não abrirá
não há alguém do outro lado
o elevador está no térreo
continuo no oitavo andar, esperando por mim.
a poltrona tem a forma do meu corpo.
o sono passa
a espera continua, não chego ao fim.
o poço é fundo
o fôlego é pouco
a coragem se esconde atrás do biombo.
mudamos de roupa
trocamos os papéis
tiramos o cenário
as palavras são ditas.
eu não chego a mim
terei de ficar nua
sem olhar o espelho
me imaginar
me auto-retratar
óleo sobre pele
tinta vagabunda
algo não lavável
mesmo assim nada é fiel
eu não chego a mim
será na hora da morte
a hora em que verei meu verdadeiro rosto.
ouvirei minha voz,
assinarei meu próprio nome.
na hora da morte serei apresentada a mim
chegarei a mim um dia numa noite
sentarei na beira do horizonte
cairei no espaço.
serei o inacreditável
serei o impossível
serei tudo
serei eu
finalmente terei chegado a mim.
(em maio de 1984.)
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